Adolfo Caminha
Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha
Análise da obra
O romance Bom-Crioulo, de Adolfo
Caminha, faz parte do Realismo e do Naturalismo. A história de paixão e
tragédia não é produto de fantasia romântica, mas baseada num fato real que
escandalizou o Rio de Janeiro no século XIX.
Caminha constrói a partir de um fato verídico,
uma ficção forte, ousada, muito atual até os dias de hoje. Fez isso para chocar
e se vingar da sociedade hipócrita que o rodeava.
Bom-Crioulo, publicado em 1895, é dividido em 12 capítulos, onde a ação
se passa na segunda metade do século XIX, no Rio de Janeiro. Destacam-se o
espaço aberto, normalmente dias claros e quentes, o mar aberto, e o espaço
fechado do quartinho de Amaro.
Boa parte da força e da eficácia de Bom-Crioulo está no manejo lúcido que o autor faz
desses conflitos, escolhendo o quê, quando e como contar deste verdadeiro
enredo de notícia de jornal sensacionalista. A narrativa é simples e direta,
mas tem as suas manhas: não entrega o jogo facilmente, cria suspenses, vai e
volta no tempo, de modo a dar a cada momento, a cada situação, a sua atualidade
e a sua história, o seu desenvolvimento próprio. Assim, o enredo central se
desdobra em alusões a muitas outras histórias; e o dia-a-dia do século XIX
brasileiro se insinua a cada passo, fazendo ecoar as falas e as ações das
personagens centrais.
A intenção do romance resume-se em acompanhar
as personagens em seu movimento, como se fosse o expectador que registra a
evolução do drama alheio sem interferir. Nele tudo caminha numa ordem
inalterável até o epílogo, com uma supervalorização do instinto sobre os
sentimentos, do animal sobre o racional.
Foco narrativo
Narrado em 3ª pessoa, por narrador onisciente,
percebe-se que as inúmeras descrições que aparecem no romance, condizentes com
a estética naturalista que privilegia a observação meticulosa dos fatos, buscam
não se confundir com a história, nem com as personagens.
Preso aos ideais do escritor naturalista —
exatidão na descrição, apelo à minúcia e culto ao fato — o narrador conta a
história de modo linear, gradativo, utilizando-se de uma linguagem clara,
direta, objetiva, com poucos objetivos. O que será importante são os fatos
narrados e não a opinião que se pode ter sobre eles. Não há, portanto, da parte
desse narrador, qualquer julgamento moral das personagens.
A história quase se narra por si, pela
exposição direta dos fatos, que vão montando a estrutura narrativa, ou seja, a
história das três personagens envolvidas num caso de amor: Amaro, Carolina e
Aleixo.
Temática
O tema principal é a dificuldade do amor
homossexual, centrado na relação entre o negro Amaro e o jovem e bonito Aleixo.
Faz presente também o tema da mulher madura que deseja um amante jovem. A
originalidade de Bom-Crioulo se manifesta no triângulo amoroso
sobre o qual se sustenta. Tradicionalmente, um triângulo amoroso é composto por
dois homens em luta por uma mulher, ou duas mulheres que disputam o mesmo
homem. Em Bom-Crioulo, Amaro e
Aleixo são marinheiros e, acima de tudo, como tal se comportam, favorecendo a
anulação das diferenças étnicas, que se dá não pela ascensão do negro fugido,
mas pelo rebaixamento de ambos à condição de prisioneiros do mesmo sistema e do
“vício”. Por fim, o terceiro do triângulo é uma mulher que atua como homem,
pois conquista Aleixo em vez de ser conquistada. Adolfo Caminha colhe ao vivo,
de sua experiência como oficial da marinha, o material do romance.
Este tema do romance, o homossexualismo,
manifesto na construção do triângulo amoroso, é tratado com crueza e sem nenhum
indício de preconceito pelo escritor naturalista, que vê no vício um objeto de
estudo que deve ser esclarecido e compreendido.
O homossexualismo, encarado no romance como
vício ou perversão, é tratado, portanto, através de um olhar naturalista e,
conseqüentemente, limitado: não há o enfoque mais subjetivo dos sentimentos
despertados; não há autonomia do caráter: as personagens estão acorrentadas às
leis deterministas (não há drama de consciência ou mesmo drama moral). Há uma
resposta mecânica, instintiva aos fatos e, nesse sentido, o livro perde um lado
da questão, o que não esmaece sua força e valor literário.
Outro tema é a problemática da vida dos
marinheiros, que ficam a maior parte do tempo longe da terra e de mulheres, o
sofrimento dos castigos corporais impiedosos e rigorosos. Este é a temática que
se entrelaça com o tema central.
Tempo e espaço
O romance se passa em dois espaços: no mar, a
bordo de uma corveta, e na Rua da Misericórdia, localizada nos subúrbios do Rio
de Janeiro, nos fins do século XIX. Os dois lugares são descritos em seus
aspectos mais degradantes e negativos, ressaltando a miséria daqueles que aí
vivem.
A abertura do romance se faz com uma detalhada
descrição da corveta, local inicial da ação.
Por meio de uma descrição minuciosa e da
riqueza de detalhes que ajudam a compor o ambiente externo, percebe-se como o
autor naturalista se debruça sobre o meio que terá um papel decisivo no
comportamento das personagens.
O ambiente de bordo é marcado pelo trabalho
duro e por uma vida sem privacidade, o que possibilita a eclosão das mais
diversas perversões. O ajuntamento de homens favorecia a promiscuidade entre
seres que vivenciam a solidão da reclusão da vida no mar e que, sobretudo,
sentiam a falta de liberdade, vítimas de um sistema duro e cruel - a vida na
Marinha:
Mas, havia ordem para não desembarcar, e
Bom-Crioulo, como toda a guarnição, passou a tarde numa sensaboria, cabeceando
de fadiga e sono, ocupado em pequenos trabalhos de asseio e manobras
rudimentares. - Diabo de vida sem descanso! O tempo era pouco para um
desgraçado cumprir todas as ordens. E não as cumprisse! Golilha com ele, quando
não era logo metido em ferros... Ah! Vida, vida!... Escravo na fazenda, escravo
a bordo, escravo em toda parte... E chamava-se a isso servir á Pátria!
Por esse trecho, pode-se notar uma crítica
implícita a Abolição dos Escravos que parece não passar de uma ilusão, já que
os homens provenientes das camadas mais baixas da população continuam a ser
explorados.
Num segundo momento, a história se desloca para
a terra, mais precisamente para um quarto na Rua da Misericórdia, onde Amaro e
Aleixo, após terem se conhecido no navio, vivem o ápice e o declínio de seu
relacionamento.
Ao retratar o espaço urbano, Adolfo Caminha
fala a respeito de um tipo de moradia muito comum no Rio de Janeiro, durante o
final do século XIX: as habitações coletivas. Os habitantes dessas moradias
eram brancos, mulatos e mestiços, sempre pessoas exploradas. Ao redor dessas
habitações, há a presença de negociantes portugueses em ascensão, como o
açougueiro que sustenta D. Carolina, e que se aproveitam, de algum modo, da
miséria dessas pessoas.
Desse modo, o comportamento das personagens
está condicionado pela pobreza do ambiente que as circunda e que, por sua vez,
é decorrente do momento histórico por que passava o Brasil, durante o Segundo
Reinado.
Personagens
Em Bom-Crioulo, Caminha
constrói com segurança e coerência o personagem Amaro, mulato dominado pela
paixão homossexual, que o leva para caminhos sadomasoquistas à perversão e
finalmente ao crime. O autor soube manejar as cenas e personagens com
naturalidade.
As personagens de um romance naturalista
raramente são dotadas de alguma profundidade psicológica. Muito próximas dos
tipos, também chamados de personagens planas, não evoluem no decorrer da
narrativa, de forma que suas ações apenas confirmam as poucas características
que as definem.
Amaro: protagonista, ex-escravo convocado para a
marinha.Trata-se de um homem muito forte, com trinta anos de idade e que não
conseguiu realizar-se sexualmente com as mulheres. Duas tentativas deram-lhe
grande decepção e o deixaram frustrado. Só conseguiu consumar o ato com o jovem
Aleixo. Apresenta certa profundidade psicológica, mas que é totalmente
envolvido por sentimentos e instintos que o dominam, impedindo-o de perceber
com clareza a situação conflituosa que vive. Algumas vezes, surgem percepções
esparsas, mas nada suficientemente forte para modificar o destino do negro,
movido pela paixão. Por um lado, Amaro é extremamente forte fisicamente. Sua
força provém do trabalho escravo e depois do trabalho na Armada, em que se
engajara após ter fugido da fazenda. Os castigos físicos que lhe foram
impingidos, tanto pelo feitor quanto a bordo, tornaram-lhe resistente e lhe
deram a energia de um animal brioso. A força do negro é realçada pelo narrador,
numa das cenas iniciais do romance, por meio da descrição de uma cena em que
Amaro está sendo punido com a chibata: — Uma! cantou a mesma voz. — Duas!..,
três!...
Aleixo: grumete, belo rapaz de olhos azuis, que embarca
no sul. Tem quinze anos e mexe sexualmente com Amaro. Cede às investidas e
caprichos do crioulo, mas quando aparece ocasião troca-o por uma mulher. Isso o
leva ser assassinado por Amaro, por causa do ciúme. Aleixo surge desde o
princípio como o oposto de Amaro: branco, fisicamente fraco e pueril, subjugado
pelas circunstâncias e por quem lhe é mais forte — será assim com Amaro e com
Carolina. O ar de submissão de Aleixo vai transfigurando-se, ao longo da
narrativa, numa espécie de esperteza camaleônica. Nada sabemos sobre seu
passado, a não ser que era filho de uma pobre família de pescadores que o
tinham feito entrar para a Marinha em Santa Catarina. A ligação com Amaro
oferece-lhe um novo mundo, bastante diferente daquele de sua origem, e que lhe
propicia, acima de tudo, favores e proteção.
D. Carolina: amiga e rival de Amaro. É amiga de Amaro por
tê-lo salvo em um assalto e inimiga por depois conquistar o namorado do
crioulo. D. Carolina era uma portuguesa que alugava quartos na Rua da
Misericórdia somente a pessoas de “certa ordem”, gente que não se fizesse de
muito honrada e de muito boa, isso mesmo rapazes de confiança, bons inquilinos,
patrícios, amigos velhos... Não fazia questão de cor e tampouco se importava
com a classe ou profissão do sujeito, Marinheiro, soldado, embarcadiço,
caixeiro de venda, tudo era a mesmíssima cousa: o tratamento que lhe fosse
possível dar a um inquilino, dava-o do mesmo modo aos outros. D. Carolina revela-se,
desde o inicio, uma mulher de negócios, cuja mercadoria era seu próprio corpo.
Teve seus revezes e conseguiu se reerguer, observando como poderia lucrar com
os outros, já que também lucravam com ela. No entanto, vive só.
Herculano: marinheiro dotado de certa melancolia.
Relaxado, tinha as unhas sujas. Evitava a companhia dos outros. Foi preso e
castigado por ter sido apanhado se masturbando.
Agostinho: o guardião. Homem de grande estatura,
reforçado, especialista em dar chibatadas. Ama sua profissão, por isso
permanecia a maior parte do tempo a bordo.
Santana: marinheiro que sofreu castigo por ter brigado
com Herculano. Era gago, chorava com facilidade e era manhoso.
Enredo
A obra Bom-Crioulo não padece das inverosimilhanças de A
Normalista, do mesmo autor. Mais denso e enxuto, apresenta um ótimo
retrata da vida de marinheiros durante a 2ª metade do século XIX, no Rio de
Janeiro. A personagem principal, o mulato Amaro, é bastante coerente em sua
passionalidade. Vários episódios do romance também refletem a própria vivência
do autor a bordo de navios, registrando a aspereza da vida no mar, da
brutalidade dos castigos corporais, já denunciados por Caminha em seu tempo de
estudante.
O romance realça pela originalidade da situação
dramática: dois marinheiros - Amaro, apelidado o Bom-Crioulo, um “latagão de
negro, muito alto e corpulento, figura colossal de cafre... com um formidável
Sistema de músculos” e Aleixo “um belo marinheiro de olhos azuis” -
brutalizados e solitários pela vida a bordo de um navio, afeiçoam-se e entretêm
relações homossexuais. Ao desembarcarem na cidade do Rio de Janeiro, vão viver
em um cômodo alugado por uma portuguesa, ex-prostituta, D. Carolina. Mas o
idílio amoroso entre Amaro e Aleixo é interrompido pelo dever de voltar ao mar:
Decorreu quase um ano sem que o fio tenaz dessa
amizade misteriosa, cultivada no alto da Rua da Misericórdia, sofresse o mais
leve abalo. Os dois marinheiros viviam um para o Outro: completavam-se /.../
Mas Bom-Crioulo um dia foi surpreendido com a notícia de que estava nomeado
para servir noutro navio.
Homossexualismo Preto & Branco no romance
'Bom Crioulo', de Adolfo Caminha
13-06-2011 23:06:08
Da Redação: Fonte - GILFRANCISCO (*)
Este artigo tem o objetivo de mostrar através
do ideário Naturalista, na literatura brasileira, as afirmações das idéias
positivistas e cientificistas em voga no fim do século XIX, no romance de
Afonso Caminha, intitulado "Bom-Crioulo" (1895). Baseando-se nestas
teorias, o autor toma-lhe a precisão e a objetividade descrevendo com
impessoalidade, exatidão e minúcia as referidas idéias através das relações
processadas pelos personagens.
Essas implicam numa posição de combate, de
análise dos problemas evidenciados pela decadência social, fazendo da obra de
arte uma verdadeira tese com intenção realista de reformar a sociedade.
Justificando que o romance naturalista é marcado por forte análise social a
partir de grupos humanos marginalizados, valorizando o coletivo. O Naturalismo,
apresenta romances, experimentais como "Bom-Crioulo", segundo o qual
o ser humano é um animal: antes de usar a razão deixa-se levar pelos instintos
naturais, não podendo ser reprimido em suas manifestações instintivas-como sexo
-pela moral da classe dominante. "Bom-Crioulo", romance de tese, cujo
enredo é construí do com minúcias, onde o narrador (narração linear, gradativa)
fornece um grande painel informativo da paisagem muito comum ao
Realismo-Naturalismo.
A intenção do romance resume-se em acompanhar
as personagens em seu movimento, como se fosse o expectador que registra a
evolução do drama alheio sem interferir. Nele tudo caminha numa ordem
inalterável até o epílogo, com uma supervalorização do instinto sobre os
sentimentos, do animal sobre o racional. Adolfo Caminha trata nesse livro da
historia de marinheiros homossexuais (talvez o primeiro da literatura
brasileira) e cujo personagem central, Amaro é um escravo foragido, crioulo
escolado, de bons sentimentos, como o título sugere, que mantém um conturbado
relacionamento com um rapaz branco, meio bisonho. O que é interessante nesse
romance, é que os estereótipos contra os negros não desempenham papel algum
enquanto a paixão domina o herói do romance. A volúpia é tão forte que atira
para o inconsciente, repelindo e como que fazendo desaparecer, os estereótipos
do início do livro.
O Naturalismo fin-de-siècle
No Brasil, o principal representante da
estética naturalista foi Aluísio Azevedo (1857 1913), que em 1881, com a
publicação de O Mulato tomou-se o introdutor do movimento entre nós. Pois as
novas idéias que circulavam na Europa chegaram também até aqui, dando abertura
a uma mudança de mentalidade, fervilhando idéias liberais, abolicionistas e
republicanas. Menores e mais representativos do ideário naturalista - e dos
excessos que o esgotam - foram Júlio Ribeiro, A Carne (1888); Inglês de Sousa,
O Missionário (1888); Adolfo Caminha, A Normalista (1893) e Bom- Crioulo
(1895).
Se, de um modo geral, o Naturalismo na
literatura brasileira não passou de um momento episódico no âmbito da afirmação
das idéias positivistas e cientificistas em voga no fim do século XIX,
coube-lhe o papel de iniciar a tradição regionalista, que se prolongou até a
instauração do romance moderno.
Tanto o Naturalismo quanto o Realismo
igualmente, fixou temas urbanos e regionais. No primeiro caso,
interessaram-lhe, não só os casos típicos da burguesia, decadente por falta de
bases morais em que assenta todo um sistema social, como também os problemas
das classes mais humildes e marginais, precisamente aquelas que eram exploradas
pela ganância burguesa do lucro.
Em sua vertente regional, o Naturalismo
brasileiro encontrou, nos autores cearenses preocupações com o declínio
econômico do Nordeste (secas, migrações), têm representantes importantes como
Rodolfo Teófilo (1853-1932) A Fome (1890); Manuel de Oliveira Paiva
(1861-1892), D. Guidinha do Poço (1891); Domingos Oliveira (1850-1906), Luiza-
Homem (1901).
O Naturalismo amplia as características do
Realismo, acentuando-as e acrescentando-lhe certos elementos que tornam
inconfundível sua fisionomia. Mas sempre fácil de estabelecer, é mais de grau,
de por menos ou de medida. Ambos se fundamentavam nas mesmas bases científicas
e filosóficas.
Para os Naturalistas, o determinismo do homem é
apresentado como uma máquina guiada pela ação de leis físicas e químicas, pela
hereditariedade, peço meio físico e social. Os seres aparecem como produtos,
como conseqüências de forças preexistentes que lhe roubam o livre-arbítrio, que
limitam sua responsabilidade e os tomam, em casos extremos, verdadeiros
joguetes nas mãos do destino.
A preferência por temas de patologia social,
baseando-se nos problemas da hereditariedade, os escritores naturalistas nem
hesitaram em ressaltar o efeito das taras, das doenças e dos vícios na formação
do caráter, justando-lhes ainda os efeitos complementares da formação familiar,
da educação e do nível cultural.
Das teorias científicas em voga, amplamente
divulgadas na época, o Naturalismo torna-lhe a precisão e a objetividade,
descrevendo com impessoalidade, exatidão e minúcia. A literatura engajada no
movimento implica uma posição de combate, de decadência social, fazendo da obra
de arte uma verdadeira tese com intenção realista de reformar a sociedade.
Portanto, o romance naturalista é marcado por
forte análise social a partir de grupos humanos marginalizados, valorizando o
coletivo. O Naturalismo, apresenta romances, experimentais: a influência de
Darwin se faz sentir na máxima naturalidade segundo a qual o homem é um animal.
Antes de usar a razão, deixa-se levar pelos instintos naturais, não podendo ser
reprimido em suas manifestações instintivas – como sexo – pela moral da classe
dominante.
A constante repressão leva às taras
patológicas, tão ao gosto naturalista. Em conseqüência, esses romances de atos
sexuais e tocantes, inclusive, em temas então proibidos, como o incesto, o
homossexualismo, tanto masculino, quanto feminino.
Homossexualismo
Considerado por alguns como um desvio do
desejo, que se orienta para o mesmo sexo, tanto nas fantasias como na relação
corporal, segundo a psicanálise e a psiquiatria, o homossexualismo “comum”,
admitido e assumido pelo indivíduo, afirma-se com a idade de 11 ou 12 anos de
idade. Pode ser exclusivo, e nesse caso o homem não se interessa pela mulher
sem que, no entanto, sejam alterados os contatos amigáveis com o sexo feminino.
Distingue-se o homossexualismo culpabilizado e
compulsivo, o dos indivíduos que repudiam conscientemente este tipo de prática
sexual, do homossexualismo misto, paralelo a uma atividade heterossexual
satisfatória.
Segundo Freud, o homossexualismo é, antes, de
mais nada, uma questão ligada à escolha do objeto, sendo que este último está
relacionado à fase narcísica da evolução da criança. Na verdade, o
homossexualismo é somente um sintoma e não uma causa. A causa reside no aspecto
bissexual fundamental de todo ser. No entanto Freud recupera o homossexualismo
e dele faz uma análise, sempre, considerando-o como um resultado.
Este é o tema que envolve a narrativa do
Bom-Crioulo, do cearense Adolfo Caminha, cuja originalidade da obra é evidente
o impacto manifestado e sustentado pelo triângulo amoroso.
Bom-Crioulo
Autores "malditos" não são privilégio
do século XX. Há exatamente cento e quatro anos morria Adolfo Caminha, um dos
principais representantes da escola naturalista, talvez o nosso maior "maldito",
que ousou tratar de um tema proibido – o homossexualismo na marinha - dentro de
uma escola literária considerada menor, talvez daí a conspiração de silêncio
que o cerca e à sua obra.
Por sua importância, pode ser colocada, ao lado
do romancista Aluísio Azevedo, nosso "band leadr" do movimento
naturalista. Iniciou-se na literatura como poeta, com Vôos Incertos (1886).
Seguiram-se os romances: Lágrimas de um crente; Judite, ambos de (1887); A
Normalista (1893); No País dos Ianques (1894); Bom-Crioulo (1895) e Tentação
(1896).
É verdade que, na literatura apresenta vários
perigos, para quem quer por meio dela, atingir os estereótipos. Segundo Roger
Bastide em seus estudos afrodescendentes, diz que a poesia lírica só nos mostra
uma alma que canta as experiências individuais, enquanto a poesia satírica
exagera, caricatura e, por conseguinte, ultrapassa o estereótipo banal. Mesmo
limitando-nos aos romancistas seria necessário distinguir os estereótipos do
autor dos estereótipos de seus personagens.
Pode-se lhe censurar aquela mencionada ausência
de poesia, e ao seu tempo muitos exploraram ao autor a exploração de tema tão
escabroso. Ninguém lhe poderá negar porém a admirável unidade instrumental,
como o autor não se poderá negar a coragem com que abordou o problema e a
mestria com que soube desenvolver a trama romanesca, a que seu grande talento
emprestava cores ainda mais sombrias.
Bom-Crioulo é um romance de tese, cujo enredo
construído com minúcias, onde o narrador (narração linear, gradativa) fornece
um grande painel informativo da paisagem, muito comum ao Realismo-Naturalismo.
A intenção do romance resume-se em acompanhar as personagens em seu movimento,
como se fosse o espectador que registrasse a evolução do drama alheio sem
interferir. Nele tudo caminha numa ordem inalterável até o epílogo, com uma
super valorização do instinto sobre os sentimentos, do animal sobre o racional.
Escrito por Adolfo Caminha, Bom-Crioulo é uma
triste e sombria história de marinheiros, onde se conta um caso de
homossexualismo (talvez o primeiro da literatura brasileira), cujo personagem
central Amaro é um escravo foragido, crioulo escolado, de bons sentimentos,
como o título sugere “Bom-Crioulo”, que mantém um conturbado relacionamento com
Aleixo, rapaz branco, meio bisonho.
A interferência de uma personagem feminina, em
terra, atraindo à atuação do moço, faz com que o crioulo o mate sob o acicate (estímulo)
do ciúme. A ação progride com força e tensa verossimilhança neste romance até o
desfecho. O que é interessante neste romance, é que os estereótipos contra os
negros não desempenham papel algum, enquanto a paixão domina o herói do
romance. A volúpia é tão forte que atira para o inconsciente, repelindo, e como
que fazendo desaparecer, os estereótipos do início do livro.
Bom-Crioulo prefigura, em vários sentidos,
problemas do mundo moderno - como o universo gay - que os cânones literários
recusam, já que se firmaram numa sociedade regida pelo favor, de forte
componente cultural escravista. Este é um romance de paixão e morte, maldito e
insuportável para seu tempo.
É no negro Amaro, antes submisso e inerte,
agora apaixonado pelo grumete louro, o frágil Aleixo, que cresce o animal
brutalizado pelo trabalho no eito da fazenda. É a paixão homossexual que o
transforma em brioso, arrogante, brutal e o conduz ao crime, quando se vê
traído (a reação do ciúme em tomo desse sentimento se faz o jogo amoroso). O
branco Aleixo, desprotegido, se esconde atrás do crioulo homossexual; mais
seguro, pensa arrumar um amante de mais poses; inexperiente, apaixona-se por
uma mulher -e nessa traição encontra a morte.
O romance nos leva a crer, tratar-se de uma vingança
contra a instituição militar, com sua disciplina desmoralizante, deprimente e
intimidadora, nos moldes do que Raul Pompéia (1863-1895) teria feito em O
Ateneu -crônica de saudades -, subtítulo do romance que indica tratar-se de um
livro de memórias, publicado em 1888. Com este livro Adolfo Caminha cria uma
tensão moderna entre as instituições carcomidas e a vida privada; seja a sua
vida sexual -pela qual optou, abandonando a Marinha -, seja a de seu personagem
Amaro, ambos evidenciando que a sociedade saída da escravidão estava longe de
perder a feição totalitária.
Os escritores naturalistas como Adolfo Caminha,
partem sempre das bases "científicas" para analisar uma sociedade em
flagrante dissolução, da sociedade burguesa romântica do século XIX. Essas
concepções, roubam do homem todo o seu livre-arbítrio, toda a responsabilidade
pelos seus atos, que ficam sendo apenas o resultado inescapável da força e das
condições físicas além de seu controle. Ou seja o protagonista de um romance
naturalista está, sempre à mercê das circunstâncias e não de si mesmo. Ele
parece, muitas vezes, não ter entidade própria, agindo como se fosse teleguiado
ou manejado.
O enfoque do Naturalismo, responde a uma
tendência de época. O narrador em relação às suas personagens responde à
exigência do romancista como um observador dos acontecimentos, mero captador da
realidade circundante. E nesse sentido, o romance Bom-Crioulo, demonstra que
Adolfo Caminha soube interpretar perfeitamente o receituário naturalista.
Filiado ao pensamento filosófico de Hippolyte
Adolphe Taine (1828-1893), que acreditava encontrar na raça, no meio geográfico
e social e no momento da evolução histórica os fatores capazes de explicar a
produção artística, o desenvolvimento das funções mentais e os fatos
históricos; e de Emile Zola (1840-1902), que desejou ver a literatura adotar o
rigor metodológico dos trabalhos científicos, a que considerava verdadeiro
mestre.
Adolfo Caminha foi um crítico imparcial, de
grande poder de análise e percepção dos valores estéticos, que lhe permitiu
reconhecer, a despeito das limitações da época, o talento de Cruz e Souza
(1861-1898). Reuniu suas críticas literárias" em Cartas Literárias,
publicadas em 1895.
Para escrever Bom-Crioulo, Caminha utiliza-se
de uma linguagem bastante acessível, e o seu modo de narrar é extremamente
peculiar, usando constantemente o diálogo indireto. Tendo como temática
predominante o homossexualismo (não aprova nem condena), não foi colocado
apenas em relação a Amaro e Aleixo, estende-se também a outros personagens, os
quais são aludidos como homossexuais.
Resistindo ao tempo, apesar do esquecimento
editorial, tão menosprezado pela crítica do tempo e, passados mais de um século
de sua primeira edição (Livraria Moderna, editor Domingos de Magalhães, Rio
1895), reeditado 3ª edição Organizações Simões 1956, em 1991 pela Editora
Ática, São Paulo, (indevidamente considerada 2ª edição), em 1997, mais uma
edição pela Editora Artium, Rio de Janeiro, e recentemente em 2002 pela Martin
Claret. O romance Bom-Crioulo é na verdade um dos mais robustos frutos da
literatura brasileira e o ponto mais alto do Naturalismo no Brasil.
Escritor versos Homem
O autor do romance Bom-Crioulo, Adolfo Ferreira
Caminha, filho de Raimundo Ferreira dos Santos e de Maria Firmina Caminha,
nasceu em Aracati, Estado do Ceará, no dia 29 de maio de 1867 e faleceu, aos
vinte e nove anos de idade, vitima da tuberculose que dominando rapidamente seu
organismo debilitado pelo trabalho excessivo.
Aos dez anos de idade fica órfão da mãe (vítima
da grande seca de 1877), juntamente com mais cinco irmãos, transferindo-se
então para Fortaleza, onde estudou as primeiras letras em casa de parentes.
Mais tarde, aos 13 anos, seu tio-avô Álvaro Tavares da Silva, residente no Rio
de Janeiro, chamou a si os encargos de sua educação, matriculando-o, afinal, na
antiga Escola de Marinha.
Tendo ingressado na Escola em 1883, pouco tempo
depois, numa sessão em homenagem, póstuma a Victor Hugo (1802-1885), na
presença do próprio imperador Pedro Segundo, faz eloqüente apologia da Abolição
e da República, da liberdade e da democracia.
Em 1885 é guarda-marinha e no ano seguinte faz
uma viagem de instrução no cruzador Almirante Barroso pelas Antilhas e pelos
Estados Unidos da América, e redige um diário com anotações e observações sobre
as terras vistas que resultará no livro No País dos Ianques. Em dezembro desse
ano irá servir no Solimões, navio que naufragará em 1892, levando consigo,
entre tantos, seu companheiro de armas e de letras, Alfredo Peixoto.
Em 1887, Caminha serve em nada menos de quatro
unidades navais: o couraçado Sete de Setembro, a corveta Niterói, o cruzador
Guanabara e a canhoneira Afonso Celso. Ao final do ano, contando com 21 anos de
idade é promovido à segundo- tenente. Um ano depois embarca no patacho
Paquequer com destino a Fortaleza, onde
funda o Centro Republicano do Ceará, do qual
fazia parte ao lado de Joaquim Catunda, José do Amaral, João Cordeiro, João
Lopes, Jovino Guedes, Antônio Sales, dentre outros e participa ativamente da
vida intelectual local.
O jovem militar tinha tudo para vencer em sua
terra natal: oficial da Marinha, escritor com dois livros publicados no Rio de
Janeiro, mas envolve-se num grande escândalo por ter-se unido à esposa de um
oficial da Escola Militar, e por represália, recebe ordem do ministro de embarcar
num vaso de guerra que partiria logo para a Europa. Sem saída, pressionado por
todos os lados, Caminha vê-se obrigado a pedir sua baixa da Marinha,
conseguindo logo em seguida uma nomeação de amanuense na Tesouraria da Fazenda
em Fortaleza.
Em 1891, funda Adolfo Caminha a Revista Moderna
e participa como fundador do grupo literário, Padaria Espiritual. Em fins do
ano seguinte, muda-se definitivamente com a mulher e duas filhas, para o Rio de
Janeiro, como 3º. Oficial adido ao Tesouro Nacional. Cinco anos depois, funda e
dirige A Nova Revista, que circulou de janeiro a setembro, onde dá continuidade
a seu espírito polêmico.
(*) Jornalista, pesquisador, professor da
Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, coordena o curso de Pós Graduação
em Literatura Brasileira, da Faculdade Atlântico, publicou Crônicas &
Poemas Recolhidos de Sosígenes Costa, Fundação Cultural de Ilhéus, 2001, dentre
outros.
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